Os recantos e encantos da Invicta cidade
O Porto é, nos dias que correm, uma cidade muito procurada. Foi reconhecido, em Fevereiro passado, como “Melhor destino Europeu de 2014”, galardão que já lhe tinha sido atribuído em 2012. A propósito desta nomeação, fomos à descoberta dos encantos da cidade, que lhe granjearam estas honras.
“Porto. A cidade é um sentimento”, afirma o historiador Hélder Pacheco, no título de uma das suas publicações. De facto, o Porto é uma cidade que se destaca de tantas outras de renome. Quem tem contacto frequente com ela, sente o seu chamamento inexprimível, embora talvez, se questionado, não o saiba bem explicar. Quem a visita, poderá conhecer os pontos de referência mais comuns, mas é provável que outros tantos, escondidos, lhes passem despercebidos.
O valor patente no seu centro histórico foi reconhecido pela UNESCO em 1996, ano em que esta organização o declarou “Património Cultural da Humanidade”.
O Porto é uma cidade antiga, milenar, de origens que remontam à época pré-romana, que em muito antecede o nascimento de Portugal. Inicialmente, cingia-se apenas ao Monte de Pena Ventosa, onde actualmente se ergue a Sé do Porto e zonas circundantes. Rui Veloso, famoso músico portuense, descreve, no seu Porto Sentido a cidade como castata são-joanina, erigida sobre o monte.

A expansão da cidade ocorreu a partir de finais do século XVI. O Porto passou de uma freguesia (da Sé), para quatro, até atingir as actuais sete. O concelho tem 238 mil habitantes. Mas já foram 330 mil, segundo o censo de 1981. Esta acentuada descida tem explicações económicas. Por um lado, o centro do Porto está dedicado ao sector dos serviços. Por outro, a especulação imobiliária causa a debandada da população mais jovem em busca de casa. Quem ganha com isso, são os concelhos circundantes.
Hélder Pacheco diz que “(…) existe uma conspiração contra a cidade por parte de todos os agentes que provocam a debandada da população.” (in Porto de S. João, Vol.II)
O geógrafo Álvaro Domingues corrobora o pensamento, quando diz que o Porto é uma cidade habitada por velhos-pobres e novos-ricos.
Certo é que, ao passear na baixa, encontramos edifícios e lojas abandonados. Locais que há 10 anos fervilhavam de actividade, hoje estão entaipados, meio sinistros e tristes. Aqui, o Porto sentido parece quase premonitório, ao apontar o abandono.
“Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joanina
erigida sobre um monte
no meio da neblina”

“Ver-te assim abandonada
nesse timbre pardacento”
Provavelmente associada ao clima e às construções em granito, o Porto tem fama de ser demasiado cinzento. Regressando à música de Rui Veloso, escutamos sobre um ar grave e sério que oculta um
mistério de luz bela e sombria.
Na zona histórica, encontram-se argumentos evidentes e válidos de que é só espreitar sob o véu da cidade, para contrariar esta crença. Basta passear nas ruas em redor da Sé, para ver que não é assim. Há no Porto casas cheias de cor, seja pela pintura garrida, seja porque os seus habitantes são portistas e as decoram a rigor. Saltam à mente a Rua da Penaventosa, a Rua das Aldas, a dos Mercadores… enfim, demasiadas para enumerar. São assim tão ricas as ruas do Porto.
Falando de lugares, na Estação de S. Bento podemos admirar os painéis de azulejos, da autoria de Jorge Colaço. Representam cenas da História de Portugal, bem como da vida rural do país. A Praça da Ribeira é outro ponto de convergência de cor, alegria e movimento. A Ribeira, aliás, tem arruamentos pitorescos a percorrer. Destaca-se a Rua da Reboleira, onde ficam a casa do Lobo da Reboleira (célebre agiota) e a casa-torre, do séc.XV.
No Jardim do Infante, encontramos o Mercado Ferreira Borges e o Palácio da Bolsa, edifícios que merecem ser visitados. Mais abaixo, na Rua da Alfândega Velha, é possível ficar a conhecer a Casa do Infante. Terá sido nela que nasceu o Infante D. Henrique. Inicialmente construída para
albergar os serviços da Coroa Portuguesa, hoje dá lugar a um museu.
Igrejas são outro tipo de arquitectura com peso histórico na cidade. Não apenas a Igreja dos Clérigos, ou a Sé. De destacar a Igreja do Carmo, perto da Praça dos Leões, com aspectos de interesse, tanto no interior, como no exterior. Por fora, os painéis de azulejos, recriando a fundação da Ordem Carmelita. Por dentro, as pinturas, as imagens esculpidas e a talha dourada. Logo ali ao lado, a Praça Carlos Alberto, ladeada por edifícios antigos e pequeno comércio.
E por falar em talha dourada, nenhuma é tão magnífica como a da Igreja de Santa Clara, ali ao pé da Sé.
“E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria”

Espalhados por algumas ruas do Porto, encontram-se vestígios das muralhas fernandinas, datadas do século XIV. Foram assim chamadas por terem sido concluídas durante o reinado de D. Fernando. À medida que a sua utilidade militar desapareceu, também elas foram sendo demolidas, restando apenas troços.
Por falar em monumentos do Porto, é incontornável falar da Torre dos Clérigos, ex-libris da cidade. Esta obra barroca, de 6 andares e 75 metros de altura é da autoria do arquitecto Nicolau Nasoni. É possível subir os seus 240 degraus, para ter uma perspectiva alargada da cidade.
Joel Cleto, historiador e apresentador do programa televisivo “Caminhos da História”, realça o facto de ser “possível percorrer estes caminhos e conhecer tantos sítios históricos em escassas centenas de metros”.
Mas nem só de arquitectura e toponímia vive a Invicta. A gastronomia é mais um ponto forte. Na Ribeira, há uma casa marcada com uma placa, onde se lê que ali viveu Gomes de Sá, o criador do famoso prato de bacalhau, de origem portuense, portanto. Os rojões, embora não exclusivos do Porto, são igualmente um prato bastante consumido.
Típica do Porto é a francesinha, cuja origem mais aceite data da década de 1950. Diz-se que foi criada no restaurante A Regaleira, por Daniel David Silva, com base no croque-monsieur, uma tosta francesa. Este prato foi, inclusivé, considerado uma das melhores sanduiches do mundo em 2011, pelo website AOL Travel.
Mas falar do Porto gastronómico é falar das Tripas à moda do Porto. Eis o prato que até dá uma alcunha aos habitantes da cidade. E os tripeiros abraçam o nome com orgulho fervoroso. Diz-se que, a fim de abastecer as naus que partiam para a conquista de Ceuta, o Infante D. Henrique pediu aos portuenses para doarem alimentos. A população, generosa já nessa altura, deu tudo o que tinha, ficando apenas com os miúdos para se amanhar. Um dos pratos que daí surgiu foram as famosas “tripas à moda do Porto”, que ainda hoje persistem na gastronomia local.
Não podemos esquecer o Vinho do Porto, bebida local internacionalmente reconhecida. Produz-se a partir de uvas da região demarcada do Douro, misturadas com brandy. Este processo, de início, era levado a cabo para evitar que o vinho azedasse em viagem. Armazena-se em Vila Nova de Gaia e exporta-se a partir do Porto, vindo daí o nome.
Todavia, verdadeiramente típico do Porto são os seus habitantes. Diz-se que falam mal, mas isso não é senão sinal de terem o coração bem perto da boca. Quem se passeia nas ruas desta cidade, cedo descobre que tem óptimos anfitriões. Têm um amor que não se paga, são ferranhos defensores do que é seu, seja a cidade, a rua, ou o clube de futebol. É fácil encontrar quem dê direcções, opiniões, meta conversa despretensiosa e partilhe um riso simples, sincero. Se calhar, este modo de viver portuense também devia ser nomeado “Património Mundial”, por ser já tão raro, mundo afora.
Não é à toa que, em 2013, a Lonely Planet nomeou a cidade como “Melhor Destino de Férias da Europa” ou em 2012 e 2014, “Melhor Destino Europeu 2014”, um galardão atribuído anualmente pela European Consumers Choice.
Certo é, sejam quais forem as razões, que o Porto merece, sem sombra de dívida, ser descoberto, (re) visitado, estudado, divulgado, experienciado e, sobretudo, vivido. Fica o desafio, é só ganhar coragem e meter pés ao caminho.

“E é sempre a primeira vez
Em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa”
Vista do Porto, do miradouro do Largo do Colégio
Pormenor de casa na Rua dos Mercadores
Rua das Aldas, na zona histórica do Porto
Ponte Luís I, vista da Praça da Ribeira, unindo o Porto a Vila Nova de Gaia.